| A tirania da maioria, voto distrital e voto em lista proporcional brasileiro. Em 1835 Alexis de Tocqueville escreveu o livro “A democracia na América” que causou grande furor na opinião pública europeia. Nas suas viagens pelos EUA, que naquela época era uma jovem democracia, ele se impressionou com a soberania da vontade popular, com o respeito que se tinha pelo que foi decido pela população de uma determinada localidade, ao contrário do que ocorria na França, que vivia sob um regime de monárquico, ainda que constitucional. Apesar de ser um grande entusiasta do regime democrático utilizado nos EUA, ele apontou em seu trabalho o risco da maioria se comportar de forma tirânica, atendo exclusivamente aos seus interesses. Mas no mesmo trabalho ele apontou que direitos e garantias individuais e coletivos, além da separação de poderes e a própria desconcentração do poder decisório seriam capazes de por freio em eventual investida da maioria nesse sentido. Na versão que eu tenho do livro de Tocqueville foram transcritos comentários de Paulo Gray, que em homenagem aos 200 anos da constituição americana produziu “Another Look at Democracy in America” onde se lê que: “No que respeita entretanto ao maior temor de Tocqueville, que se cifrava na onipotência e tirania da maioria, Gray observa que ficaria muito surpreso ao deparar-se com a grande capacidade de fazer ruído e impressionar a opinião que muitas minorias vieram a conquistar. Enfim, Gray conclui que Tocqueville, aplaudindo entusiasticamente o sentido da evolução da democracia americana, não deixaria que isto sufocasse o seu espírito crítico. Assim, repetiria o que escreveu há 150 anos: ‘Os homens não ouvirão a verdade dos seus inimigos. Esta lhes será oferecida, muito raramente, pelos próprios amigos.’ Poder-se-ia dizer portanto afirmar que o sistema representativo, sem violentar a natureza humana, tornar-se-ia a mais importante criação da humanidade.” (Alexis de Tocqueville. A democracia na América; posfácio de Antonio Paim; tradução e notas de Neil Ribeiro da Silva, 4ª ed, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1998, pág. VII) Cabe frisar que o temor de Tocqueville se referia à democracia, mais especificamente à vontade da maioria, princípio que no Brasil está no artigo 47 da Constituição e em outros dispositivos. A partir dessa premissa, foram criadas diversas teorias políticas, algumas corretas e outras absolutamente equivocadas, até de modo malicioso. Em minha opinião, a mais equivocada delas é que os sistemas de listas partidários (tanto faz se aberto proporcional, fechado ou pré-ordenado) defenderiam melhor os interesses das minorias. Esses sistemas de listas e mesmo o distrital plurinominal (distritão), pelo número enorme de candidatos, impede o debate de ideias entre esses e os seus eleitores. Óbvio que isso faz com que os candidatos (e futuros eleitos) não se comprometam com questões colocadas pelos eleitores, não prestem contas e não possam ser cobrados no futuro. Esses sistemas também impedem a implantação do recall election que é um dos instrumentos mais importantes de uma democracia participativa. Devendo-se destacar também que se o regime é democrático, se o poder realmente emana do povo, quem deve escolher quais interesses de minorias devem ser representados nos congresso é o próprio eleitor, na hora de proferir seu voto. A história provou que o eleitor é muito capaz de sensibilizar-se por questões colocadas por minorias. São exemplos atuais, a eleição e reeleição de um negro para presidente dos EUA, a eleição da presidente Dilma no Brasil, ambos em eleições majoritárias uninominais, onde prevalece indubitavelmente a vontade da maioria. No caso do Brasil, para mim, é muito claro que o sistema de lista partidária com distribuição proporcional de voto (utilizado para eleger deputados e vereadores) é usado para abrigar interesses de classes econômicas e políticas de forma pouco democrática. Não é à toa que nos referimos a membros do congresso como “bancadas”, ruralistas, evangélicas, sindicalistas, empresariais, além da já tradicional divisão em partidos. Na verdade, a meu ver, essas oligarquias se apropriaram das nossas casas legislativas e de lá não pretendem sair tão cedo. É por isso que a população se sente à parte de todos os processos decisórios do pais e como bem mencionou o deputado Espiridião Amim em outro tópico, o grito “não me representam” soltado no nosso “inverno brasileiro” nos trouxe novamente ao tema de reforma política. Entendo que só com o voto distrital em dois turnos, como o utilizado hoje em dia na França do falecido Tocqueville, começaremos a recuperar a representatividade da Câmara dos Deputados, Vereadores e Assembleias deste país. Melhor ainda se acompanhados do direito a cassação de mandatos pela população (recall election) e a candidatura avulsa (o Brasil é uma das pouquíssimas “democracias” que concede aos partidos políticos o monopólio de todos os cargos eletivos). Não vejo sentido em aplicar o sistema misto Alemão ao Brasil, que é bicameral, que tem o Senado Federal para representar os Estados. Os deputados devem representar exclusivamente a população de seus distritos. |